“Só se organiza a produção se organizar o produtor.”
Figura 1. Posse na Confederação Nacional da Agricultura (CNA).
É muito difícil falar da pecuária baiana sem passar pelas histórias do pai e filho João Martins e João Martins Junior. O pai, ainda na primeira metade do século passado, já era empresário com destacada atuação no abate de bois, fazendas e atividades imobiliárias, incluindo a criação do subúrbio de Paripe, em Salvador, onde se situava uma de suas propriedades rurais. Em um período no qual os recursos logísticos eram bem mais escassos e limitantes, chegou à incrível marca de ter 138 açougues e casas de carne na Capital. Coube a João Martins Junior a tarefa de cuidar, com os irmãos, dos negócios familiares, tornando-se um líder empresarial baiano e, posteriormente, nacional. Talvez, o seu êxito como liderança do agronegócio, que o levaria à presidência Confederação Nacional do Agronegócio (CNA), tenha sido a precoce compreensão de que o fortalecimento de cada negócio e do setor pecuário estava profundamente vinculado à capacidade de pensar e desenvolver projetos de forma coletiva.
INFÂNCIA. ADOLESCÊNCIA E FORMAÇÃO. Filho de João Martins da Silva e Marianina Martins da Silva, João Martins Junior foi criado com cinco irmãos: David Moreira Martins da Silva, Antonio Carlos da Silva Martins, Paulo Moreira Martins, Ana Maria Martins Kruschewsk e Joaquim Marcelo Moreira Martins. A sua infância e adolescência foram bastante saudáveis e de intensa convivência com familiares e amigos, sobretudo, nos veraneios e nas férias passadas nas fazendas de Paripe e de Itapetinga, na Bahia. A vivência positiva e a formação de vínculos com os mais próximos contribuíram para um dos seus traços mais marcantes, o interesse e a permanente preocupação com as pessoas.
O segundo grau foi cursado no tradicional Colégio Sofia Costa Pinto de Dr. Tenório e se formou em Administração de Empresas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), tornando-se um dos seus primeiros egressos, como aluno da segunda turma do recém-criado curso. O pioneirismo na oferta de conteúdos na área de gestão, juntamente com dois outros cursos do sul e sudeste do país, acabou contando na sua decisão, uma vez que João Martins tomara conhecimento do prestígio crescente dessa formação nas universidades americanas. O interesse manifesto pela engenharia acabou cedendo à demanda do pai de que já muito jovem se dedicasse aos negócios da família. Acreditava que a formação na área técnico-científica lhe demandaria mais que o curso na área de ciências sociais, impossibilitando o apoio solicitado.
PRIMEIRAS ATIVIDADES PROFISSIONAIS. O envolvimento de João Martins Júnior com o agronegócio se deu desde cedo. Aos 18 anos, já tinha presença marcante na empresa familiar, exercendo um papel de reconhecida importância para o pai. A capacidade inovadora e a irrequietude são duas heranças positivas paternas que se destacou como um dos grandes nomes da pecuária baiana, não somente pela posse de um grande número de açougues, mas por inovações logísticas importantes, como o transporte do gado vivo embarcado em navio no sul do estado, reduzindo o intervalo entre o abate e a distribuição das carnes entre os açougues.
PRIMEIRAS PRÁTICAS COLETIVAS. Dentre os aprendizados que adquirimos no ambiente familiar, alguns se mostram inesquecíveis. O pai de João Martins sempre procurou usar a lógica e o exemplo para passar valores. João Martins Filho não esquece dos palitos de dentes usados como metáfora da força que um grupo pode ter quando comparada às forças individuais dos seus componentes. O pai costumava mostrar a ele e aos seus irmãos um palito de dentes, pedindo-os que o quebrasse, o que era realizado sem a menor dificuldade. Em seguida, reunia em sua mão um conjunto de dez ou mais palitos e repetia o desafio, dessa vez, não cumprido pelos filhos. A lição jamais foi esquecida por João Martins que incorporou o sentido de coletividade como uma das mais pronunciadas marcas da sua trajetória profissional. Nas suas palavras, um produtor rural sozinho seria sempre um boi de piranha e sua força, necessariamente, viria de sua organização em torno de uma instituição.
Figura 2. Mobilização do setor do agronegócio em Brasília.
Nos anos de 1970, João Martins voltou-se à produção de leite na Fazenda Grande Vista, em Feira de Santana, interior da Bahia. Naquele momento, compradores de fora impunham os preços aos produtores da região e ele, rapidamente, compreendeu que a reversão da força dos compradores dependia da capacidade de articular os fornecedores de leite, estipulando conjuntamente um preço justo, capaz de remunerar os custos de produção. A primeira das ações de cunho associativista desenvolvida por João Martins Junior foi a criação de uma cooperativa de leite em Feira de Santana, vista por ele como embrião para a organização da cadeia produtiva. Além de fundador, foi o primeiro tesoureiro da Central de Cooperativas de Leite da Bahia (CCLB).
Figura 3. Posse na Predidência da FAEB em 2000.
Ainda na década de 1970, criou juntamente com outros pecuaristas, a Associação Baiana de Pecuaristas (ABAP), que depois teve o seu nome alterado para Associação Baiana de Criadores (ABAC), tornando-se seu vice-presidente. Além de fundador e diretor da associação, teve a oportunidade de substituir o presidente Marcelo Gomes, então enfermo, e realizar no atual Parque de Exposições da Paralela a primeira exposição estadual no novo espaço, cujo êxito foi determinante para a chegada posterior da atual Feira Internacional de Agropecuária (FENAGRO).
Nos anos 1980, num momento em que vários abatedouros baianos vinham sendo fechados pela Vigilância Sanitária, João Martins Jr. assumiu, juntamente com outros pecuaristas, a Cooperativa Pecuária de Feira de Santana (COOPERFEIRA). Inicialmente, convidaram-no para assumir a presidência. No entanto, mais uma vez, prestando tributo ao seu senso de coletividade, sugeriu um triunvirato e assumiu a responsabilidade pela área de comercialização.
Uma das suas primeiras iniciativas foi colocar em funcionamento o Matadouro Frigorífico S.A. (Mafrisa), que, por mais de uma década, teve um papel de destaque no mercado de carne da Bahia, dando origem, posteriormente, ao Frigorífico de Feira de Santana S/A (FRIFEIRA). A articulação política de João Martins Jr. junto ao então governador Antônio Carlos Magalhães viabilizou que diversos passivos do matadouro fossem absorvidos ou prorrogados pelo governo, permitindo que, superados os problemas financeiros históricos, a COOPERFEIRA, marcando época na Bahia, viesse a se tornar a entidade associativa com o expressivo patrimônio que detém hoje.
Figura 4. João Martins – A Voz do Agro na Bahia e no Brasil.
DO INÍCIO DAS ATIVIDADES SINDICAIS À LIDERANÇA – ATUAÇÃO NA FAEB E NO SENAR. Nos anos 1980, o reconhecimento da importância de João Martins Jr. para a organização da ação coletiva no setor pecuário, o conduziu à Federação da Agricultura e Pecuária do Estado da Bahia (FAEB), na condição de diretor. Já como líder sindical e primeiro vice-presidente da instituição, no final da década de 1980, foi responsável por organizar e levar à Assembleia Nacional Constituinte os pleitos relacionados aos interesses da classe que representava.
É importante ter em mente que no início das atividades de João Martins Jr. na FAEB, nos anos 1980, o cacau era um produto absoluto para o agronegócio baiano, com importante expressão econômica e representação política. Sem desprezar e deixar de reconhecer a importância da região cacaueira para o estado, apostava na diversificação como mecanismo de reinserção do produtor da região, que deveria provisoriamente assumir outra atividade produtiva enquanto se buscava uma alternativa para a vassoura de bruxa que combalia a produção da matéria-prima do chocolate.
A atividade pecuária, naquele momento, permanecia carente de representatividade. O Instituto de Pecuária da Bahia, fundado nos anos 1930, era a única entidade representativa do setor à época. No entanto, apesar de no seu auge ter sido muito forte e conceituado, iniciou os anos 1980 em crise, devido a sucessivas más administrações. A chegada de João Martins Jr. à federação requalifica a representatividade do setor pecuário.
Apesar dos mais de 400 anos de atividade pecuária na Bahia, João Martins sempre compreendeu que a permanência da sua relevância econômica era indissociável da agenda de inovação. Tinha como claro também que o sucesso inovativo é resultado de um processo bem estruturado de aprendizagem permanente e cumulativo. Essa visão o levou, nos anos 1990, a assumir a gestão do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR) – Bahia (1996-1997), função que passou a acumular com a vice-presidência da FAEB.
A entidade, vinculada à FAEB, é responsável por organizar, administrar e executar, em todo território nacional, a formação profissional rural e a promoção social de jovens e adultos que exerçam atividades no meio rural. Naquele momento, a instituição já capacitava milhares de pessoas por ano. No entanto, a capacitação era insuficiente para permitir que os empreendimentos e atividades relacionados ao setor acompanhassem o ritmo de inovação necessário para a competitividade no nível nacional e internacional. O reconhecimento dessa realidade, durante a gestão de João Martins Jr., levou o SENAR a incorporar, entre as suas atribuições, a assistência técnica. O êxito dessa iniciativa levou o serviço, em várias outras unidades de federação, a agregar a assistência técnica no rol das suas atividades.
Um fato curioso no SENAR da Bahia é que nos Conselhos Administrativo e Fiscal existia regimentalmente uma vaga para os representantes da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (FETAG), que não eram preenchidas desde a fundação por falta de indicação de nomes pelos interessados. Ao assumir a Presidência do Órgão e por entender a importância da participação da classe trabalhadora nas decisões e trabalhos da entidade, João Martins Jr. liderou entendimentos para atrair os dirigentes da federação, assegurando uma paridade de representação que teve resultado exitoso ao longo dos anos.
A PRESIDÊNCIA DA FAEB. Em 2000, com o sucesso das atividades desenvolvidas nos anos anteriores, João Martins assumiu a presidência da FAEB para exercício do seu primeiro mandato. Os desafios para a atividade representativa sindical mostravam-se crescentes, à medida que o agronegócio baiano ia mudando de status na matriz econômica do estado, sobretudo a partir da ampliação da fronteira agrícola no oeste baiano, extremo sul e na região da Chapada Diamantina.
Naquela ocasião, a arrecadação da federação encontrava-se muito baixa e ele abriu mão da verba de representação da presidência por sucessivos mandatos, até que a federação estivesse em condições de repassá-la sem sacrifício do custeio operacional. A FAEB encontrava-se, inclusive, sem sede própria e não havia espaço para acomodar a federação juntamente com o SENAR. Desde o início da sua gestão, colocou como meta o reestabelecimento da sede, o que aconteceria na sua segunda gestão quando o saneamento das finanças permitiu que a FAEB comprasse diversos andares do edifício que acomodava suas instalações, criando espaço para, como sempre desejara, acomodar também o SENAR.
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